O cárcere



Ligar-se ao outro em forma de amor, de verdadeiro amor, é um cárcere. Como essa palavra, cuja conotação é tão pejorativa, pode ter ligação com o sentimento mais nobre? Falamos em cárcere e logo pensamos em sofrimento, privação de liberdade, em solidão. Mas o que é o amor, se não isso? Como já disseram por aí, ‘é estar-se preso por vontade’. O amor nos prende, ao mesmo tempo em que nos enobrece. É nele que abrimos mão, aqui e acolá, do amor próprio em função de algo maior: o outro. A racionalidade dá passagem pra sensibilidade e o que queremos mesmo é a tal da felicidade a dois. Felicidade que existe sim, é claro, mas não plenamente. Ser feliz o tempo inteiro, sabemos, não dá. E se desse, se tornaria uma chatice. Sobretudo pra pessoas que nem eu, que curtem uma reclamação aqui, uma dor de cabeça acolá (pra ter do que reclamar) e uma chateação no trabalho pra agradecer e respirar alívio no final de semana que chega.

Amar, confesso, é uma das tarefas mais difíceis que encontrei. Dá trabalho. A gente tenta, dá um jeito, contorna aqui, desfaz ali. Tudo em nome do tão grandioso. E mais, fazemos tudo isso para nos sentir amados e, claro, presos. É como se a gente se permitisse ser envolto em uma carapaça e ali, quentinho e confortável, buscasse a plenitude. Como ser pleno sem a liberdade? O amor não liberta, nunca. Há quem diga possuir a sorte de um amor livre. Posso não acreditar? Agradeço a licença. Até o amor dos filhos, esse que acredito ser o maior de todos (sim, porque há vários tipos de amor né), até esse nos prende. Aqui, a prisão é voluntária pra muitos, porém não deixa de ser o velho cárcere.

Pra amar é necessário estar disposto a se prender no universo de sensações do outro, sem preguiça. E pra quem é filho da liberdade e possui esta como essência prioritária na vida, amar é mesmo o maior dos desafios. Superar diferenças, fazer vista grossa pra valores desencontrados ou sonhar um sonho que não é o mesmo do ser amado são ingredientes perfeitos para alimentar um amor dolorido. Daqueles que, além de prender, te destrói. Isso se você não for capaz de se agarrar na liberdade e fazer dela um par de asas. E alçar voo.


Comentários

Rafa Britto disse…
Belas palavras ex-cachuda. E concordo contigo, tem uma frase que gosto muito do poeta Carpinejar: "pra mim, liberdade é ter um amor pra me prender". Amar de fato é um exercício de abdicação, de entrega e de tolerância às diferenças. E como tal, nos torna melhores, se assim permitimos. :)
Anônimo disse…
Vcs deviam escrever sempre . Serio vcs duas tem o dom da palavra
lília disse…
o que me atrapalha é essa preguiiiiça...rs rs
mas, de fato, sem essa contingência não há vida!
quem diria, que esses dois seriam assim sinônimos!

esse post pede aquele almódovar: ata-me!
Belle Bento disse…
pois é querida Lilia. a preguiça me mata. hahahaha
o que me salva é a curiosidade! não sou muito fá de loucos estilo almodóvar, mas vou agora mesmo em busca da sua dica! beijo! e venha sempre por aqui! ;)
Anônimo disse…
Ótimo "texto", mas é tempo de liberdade. Prisão é uma palavra muito dolorosa para ser associada ao amor... e se assim for interpretado, a meu ver, Alea jacta est (a sorte está lançada) para quem assim pensa e vive.

Postagens mais visitadas deste blog

Pé na areia

Meditação felina

O Pequeno Príncipe e a Raposa