Padrinho, voltei!

Na época da faculdade, tive a oportunidade (e a sorte) de conhecer pelo interior do Ceará alguns mestres da nossa cultura tradicional popular. Um professor – guru – me mostrou algumas veredas nesse caminho e eu encarei. O resultado é um caldeirão de experiências impressas na memória e no peito. E que trago comigo como um presente, por toda a vida.

Nessa trajetória, de pesquisas aqui e emoções ali, tive a oportunidade de ir até Juazeiro do Norte em época de romaria. Não lembro exatamente a data, mas era julho. O ano, creio, era 2004. São quase dez anos e a emoção de estar aos pés da estátua – não me perguntem o porquê – me envolve até hoje.
Naquela época, encarei a subida das escadas do Horto. São estreitas e quase uma penitência debaixo do sol forte. Tinha muita, muita gente. Eu era uma menina, franzina, curiosa. Teve até uma hora que eu nem senti meus pés no chão. Me levantaram e eu voei. Meu guru só olhava de longe. Ele não se arriscou.

Já perto da bengala do padre, orações, louvores, suor e cansaço. Uma senhora, que não precisou se aproximar já que todo mundo estava junto, me pediu pra escrever o nome dela na estátua. Ela, como muitos ali, não era alfabetizada, o que não deixou de ser um choque pra mim, uma jovem reacionária. Eu vivia num País onde seus filhos não podiam, sequer, expressar a própria fé. Engoli o desconforto e me peguei a escrever. Depois do nome dela, os dos filhos, dos netos, genros, irmãos. Cerca de quinze nomes compuseram a lista. E, quando finalmente terminamos, me senti com o dever cumprido, e triste. Fiquei muito triste.

Eu não tinha era notado que, enquanto eu escrevia os nomes, um amontoado disfarçado de “fila” se formara atrás daquela senhora. Eram fiéis que, por não saberem escrever, precisavam de alguém para imprimir os nomes dos seus ali na bata do padre. Eram tantos que eu não me contive; e chorei. Todos achavam que eram lágrimas de fé. Ah, dessa vez não. Meu pranto era de tristeza; e vergonha.

Depois de me recompor, retomei o trabalho. Escrevi. Eram nomes enormes e vários. A escrita durou um tempo que não sei precisar. O fato é que o fotógrafo, Francisco Sousa, registrou. Foto linda e que me tomou a emoção, de novo, depois de impressa.


Mês passado tive a oportunidade de novamente voltar a Juazeiro, dessa vez a trabalho. Sem promessas ou penitências, aproveitei para agradecer. Afinal, quantas foram as conquistas e os aprendizados dos últimos dez anos! Dessa vez não tinha romaria, nem precisei me espremer entre os fiéis pra chegar perto do Padre. Subi tranquila a escada e, ao chegar ao pé da estátua, avistei meu nome, com o ‘s’ e os dois LL’s de Isabelle. A letra, bonita sim, não era a minha. E eu, chorona que sou, me revelei uma verdadeira fiel. Daquelas que fazem promessa e acreditam na força da fé.

E eu chorei, de novo.

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