Pra falar de saudade

Imagem: "Saudade" (1899; Almeida Júnior)


Lembro bem o dia em que fui apresentada à saudade. Era uma manhã de uma noite mal dormida e eu tinha 9 anos. Minha mãe decidira que mudaríamos, ela e eu, de cidade. Percebi logo que a mudança incluía casa, vizinhos, rotina, escola e amigos. E foi por eles, a escola e os amigos, que perguntei à mãe: ‘como será agora?’. Ela serenamente respondeu: ‘você terá outros, filha’. E assim aconteceu.

Desde esse dia que trago comigo a tal da saudade que, pra ser boa, tem que ser passageira. Se ela é longa, aí deixa de ser saudade e ganha outro nome que eu não sei qual. Mas não é saudade. Quem sabe infelicidade, ou dor de ausência prolongada... enfim. Saudade é pra ser curta e assassinada. Assim mesmo.

Já a despedida é a chegada da saudade. É aquela hora em que o mal estar ganha amplitude e a falta do outro ou de algo se anuncia. Quem curte despedidas? Nem eu. Acumulo angústia sem fim, vontade de chorar e, por fim, sinto um imenso sentimento de impotência pela incapacidade de desfazer o ato do ‘até logo’. Pra amenizar, mentalizo rapidamente o próximo reencontro, pois se assim não o fizesse seria uma criatura melancólica e introspectiva sempre a pensar no que está longe; ou seja, seria um pouco mais chata.

Desde aquele dia, o dos 9 anos, que a saudade não me deixa em paz. É daquele passeio com a turma da escola, das férias na casa da avó, dos amores que eu sempre inventei de buscar longe. Se não tem saudade, invento.

Hoje, apesar de encurtar distâncias, a tecnologia até ajuda, mas anda longe de resolver. Desconfio, inclusive, que ‘saudade’ seja a palavra mais utilizada hoje na TL. Pode nem ser de verdade a falta, mas lá está a palavrinha, o que prova que temos mesmo é necessidade de sentir saudade. Serve para alimentar o sonho do reencontro e, assim, de uma felicidade que está sempre lá, à nossa espera no futuro.

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Uma homenagem a Rafa Britto, essa cachuda que vai deixar um bocado de gente com saudade por essas terras alencarinas.

Comentários

Rafa Britto disse…
Oh cachuda (ops ex-cachuda), me emocionei agora com suas palavras. Me emocionei por vários motivos, primeiro porque lembrei também da primeira vez que me vi sentindo saudade, aprendendo na alma o que essa palavra que só existe em português, significa.

Segundo, elenquei algumas coisas que eu sinto saudade. Coisas, lugares, pessoas, objetos, programas, músicas, mares.

Terceiro, que comecei a sentir uma saudade imensa da minha vida aqui em Fortaleza, do quanto cresci, das amizades construtivas, do trabalho, e sim, menina, de tu, vou sentir saudades viu? Mas temos um elo e que não deixemos ele morrer, viu? Matar aqui só a saudade mesmo, porque ela foi feita pra isso.

sobre a primeira vez que senti saudades, escrevi quando eu tinha uns 16 anos, achei e postei aqui.

Dá uma olhada:

http://cachosdeideias.blogspot.com.br/2010/11/o-voo-do-tempo.html

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