Os hermanos que não conhecemos
Foram 20 dias mágicos. Talvez essa fama se deva aos porteños (como chama quem vive em Buenos Aires), todos os lugares em que passei as pessoas comentavam da fama. Passei rapidamente por Buenos Aires e fui direto para Córdoba, depois La Cumbrecita, Mendonza, Salta, Cafayate, San Salvador de Jujuy, Purnamarca, depois voltando mais alguns dias em Córdoba e finalmente, os dois últimos dias em Buenos Aires.
Entre paisagens inesquecíveis como esta da terceira foto - uma das minhas preferidas -, vinhos m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o-s, cervejas de todos os tipos e cores (cada parte da Argentina tem uma cerveja praticamente, há cerveja Córdoba, Norte, Salta etc), muita carne, empanada e tamales, conhecemos pessoas, muitas pessoas, muitos argentinos, pobres, ricos, baixos, altos, morenos e brancos. O fato de ficar hospedada em albergues (hostels) também enriquece a aproximação com pessoas do mundo todo, sim, cheguei a falar uma só frase em português, espanhol e inglês ao mesmo tempo, normal depois de umas doses de Fernet com coca-cola (bebida italiana consumida por todas as idades e em todos os lugares).
Duas semanas foram o suficiente para eu me comunicar em castellano, falar demais e até contar piadas. Conheci histórias lindas, sofridas, principalmente mais ao Norte. Os argentinos parecem com os brasileiros nesse sentido, são batalhadores, patriotas e têm orgulho de serem latino-americanos, mesmo todos (TODOS que mantive contato) estarem desacreditados do governo atual.
A recepção e gentileza da população de La Cumbrecita me encantaram tanto que ficamos mais uma noite, povo simples e tranqüilo e água cristalina e geladinha para beber direto da fonte. Os cantores das quebradas de Cafayate também me conquistaram. Quando respondi que era brasileira, o violonista que tocava ao fundo do anfiteatro (estrutura de montanhas que proporciona uma acústica incrível) simplesmente começou a tocar e cantar “o que será” de Chico Buarque em Castellano emendando com “Cidadão”, de Zé Ramalho.
Incrível a admiração e o afeto que todos têm pelo Brasil e pelo povo brasileiro. Sempre que reclamavam do governo deles, diziam “vocês têm o Lula, ah, se pudéssemos ter um Lula”. Tudo bem que no futebol a história é outra. Fui vítima de uma pegadinha. Franco, um dos donos do hostel de Salta: “com certeza Pelé é o melhor do mundo. Segundo é Ronaldo e terceiro, Tévez”, claro que perguntei “e Maradona?”, e, óbvio, ouvi: “ahhh, Maradona é de outro mundo”. Ok, ok.
Purnamarca (Jujuy) foi outra cidade que me encantou. Com apenas 500 habitantes, bem “chiquita” e muitas montanhas e belezas naturais. De lá, subi mais 2.000 metros (total de 4.000 – haja folha de coca) para conhecer as Salinas Grandes, quase fronteira com a Bolívia, e conheci também os Cerros de Los Siete Colores. Simplesmente magníficos. Sem contar nos vinhedos de Mendonza e Cafayate e plantações de olivas.
Depois de tanto tempo percorrendo cidades do norte, com pessoas mais tranqüilas e cultura diferente da nossa, chegar a Buenos Aires e sair para fazer compras na rua Florida foi um caos. Muita gente, fila para atravessar a rua! Protestos e mais protestos no centro histórico, sujeira na rua, gente estressada com falta de emprego. No entanto, é uma cidade charmosa e o metro, digno de primeiro mundo. Fiquei hospedada em Palermo, considerado o bairro “pulmão” de B.A. e cheguei a conhecer algumas poucas coisas, pois no último dia houve uma chuva com vento com uma força tão grande que impedia todos de saírem às ruas. Ah, peguei uma tormenta também (chuva de areia) na estrada a caminho de La Cumbrecita, a polícia parou todos os carros e tivemos que esperar o troço diminuir. É, conheci o amor e a fúria da Natureza também.
Experiências maravilhosas. Gostaria aqui de compartilhar duas coisas. A primeira que nós, como latino-americanos, poderíamos dar mais valor à cultura latina, a sua história, ao seu povo. A segunda, que temos que nos desprender mais também de pré-conceitos bobos e que não se configuram quando analisamos todo o contexto. Conheci sim um argentino (porteño) chato, idiota e pedante, mas foi apenas um em meio a muitos maravilhosos, gentis, doces e que me fizeram sentir em casa, como que fazendo parte de sua cultura, só por ser latino-americana.
Para finalizar, encerro com uma frase do poeta argentino A. Yupanqui, fixada em uma montanha há 1.800 de altura (com uma vista única):
"Para el que mira sin ver
La tierra es tierra no mas"
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