No roteiro da fé

Nunca me passou pela cabeça a ideia de que o milagre de Juazeiro (do Norte – CE) tivesse, de fato, acontecido. Mergulhada nas páginas de Lira Neto (aproveitando o clima de férias de janeiro na biografia Padre Cícero – Poder, Fé e Guerra no Sertão), jamais imaginara que o fato havia sido tão investigado na época. Além dos beatos, médicos, enfermeiros, juízes e cangaceiros foram testemunhas da hóstia transformada em sangue na boca da beata.
A história de Cícero, o padre com aspecto e cabeça de lunático, me surpreende sempre.
Mas eu falo do milagre de Juazeiro porque é nesse clima de devoção popular que estou me preparando pra acompanhar esses dias uma pagadora de promessas em Canindé, roteiro dos fieis de São Francisco.
Se não me engano tinha uns cinco anos de idade quando visitei Canindé pela primeira vez. Fiquei assustada com o calor, os pedintes e o povo. Era tudo muito diferente do meu quarto e do caminho da escola. Na época, passei mal com o ‘movimento’ e fiz minha mãe pagar (caro) por um banho em uma pousadinha lá. Fomos ao zoológico, almoçamos prato feito e não me lembro mais de nada. Só disso. Ah, teve uma foto no cavalinho. Pelo menos é o que aponta o álbum de família. Se não fosse o registro, poderia jurar que nunca tirei aquela foto.
Mas emoção mesmo eu senti foi algum tempo depois. Não quando voltei a Canindé, mas quando fui a Juazeiro. Era época de romaria, Horto lotado, pedintes por todos os lados também. Peguei fila pra subir até a estátua e, no meio da multidão, aos pés do imenso padre santo, a beata se vira e me pede pra escrever o nome dela na estátua. Alguém tem uma caneta? E comecei a escrever o nome dela, da filha, do genro, do irmão... Quando terminou a família, uma meia dúzia de pessoas disse: ‘agora é minha vez’. Eu, pingando de suor, ainda tinha muito trabalho pela frente... Senti vergonha por todas aquelas pessoas que não sabiam escrever, mas queriam ver os desenhos dos seus nomes na estátua. “Como posso morar num país onde as pessoas nem exercer a sua fé plenamente podem?”, pensei. Eu era adolescente e quando estamos nessa fase é justificável pensar assim. Quase tudo é uma questão de política.
Enfim.
Tudo isso pra dizer que, desses lugares, trago fitinha, faço promessa e me rendo também ao catolicismo popular. Parece tristeza, mas é bonito e tem a cara da minha gente.
Comentários
bjo
a leitura é fascinante mesmo. vale a pena!
Henrique, sobre os 'contos', eu prefiro aqueles de papel e que cabem na carteira, sabe quais são né?! rs. Vou me especializar é em biografias para um dia faturar uma grana contando a sua história. Henrique - A vida marcada no traço, que tal esse título?! Adorei! ;)
Márcia Martins