Meditação felina




Li em algum canto há algum tempo (só depois que li a frase vi o quão imprecisa está hehe mas é o que tem pra hoje, sorry :P) uma história oriental sobre a padronização de um ritual budista, com origem em um mestre apaixonado pelo seu gato e que só meditava com o gato ao lado e assim foram seguindo discípulos, outros templos, surgiram tratados técnicos sobre a importância do gato na meditação zen, além da tese desenvolvida por um professor universitário e que foi aceita pela comunidade acadêmica – defendendo que o felino tinha capacidade de aumentar a concentração humana e eliminar as energias negativas. E assim foi durante um século, o gato foi considerado como parte essencial no estudo do zen-budismo naquela região. Até que apareceu um mestre que tinha alergia a pelos de animais domésticos, e resolveu tirar o gato de suas práticas diárias com os alunos.

Pouco a pouco, os mosteiros – sempre em busca de idéias novas, e já cansados de ter que alimentar tantos gatos – foram eliminando os animais das aulas. Mais um século se passou, e o gato saiu por completo do ritual de meditação zen naquela região. Mas foram precisos duzentos anos para que tudo voltasse ao normal – já que ninguém se perguntou, durante todo este tempo, por que o gato estava ali.

Bem, a historinha (bem resumida aqui) nos mostra bem didaticamente o que a falta de um “por quê?” pode acarretar. Seguir padrões às cegas, só porque é “normal”? Por quê? Quantas coisas temos que conviver foram impostas pela sociedade em um determinado tempo em algum século lá trás, pela religião, pelos pais, pela loucura de uns ou pelo capricho de outros? Por que os homens usam gravatas? Quem disse que tem que se usar o relógio no pulso esquerdo (só por causa desse ‘padrão’, desde pequena uso no direito)? Por que o relógio gira em “sentido horário”? Por que existe o “horário comercial”, quem instituiu, por que não adaptar a cada trabalho? Por que é temos que fazer o sinal da cruz ao passar por uma igreja? Por que é errado duas pessoas do mesmo sexo se amarem e constituir uma família? Quando e por que começou a criminalização da maconha? Por que ela faz mais mal que qualquer remédio pra ansiedade ou simplesmente um relaxante muscular? Enfim, o fato é que, muitas das regras que obedecemos hoje em dia – algumas viraram até mitos - não têm nenhum fundamento. Mesmo assim, se desejemos agir diferente, somos considerados “loucos”, “imaturos” ou até “revolucionários”.


Cresci ouvindo “tu só quer ser a diferente” ou “tu perguntas demais”, sim, desulivre ser “igual”. Já viram pessoas “iguais” fazerem a diferença no mundo? Já dizia Ayrton Senna, “a ousadia em ser diferente reflete na sua personalidade, no seu caráter, naquilo que você é. E é assim que as pessoas lembrarão de você um dia”. É isso, podemos deixar algo, mesmo que pequeno e ter paz na consciência por fazer nossa parte, ver mais amplamente, ver o todo, ao invés de uma parte que nem fomos nós mesmos que vimos. Questionar e peitar o que posso, viver o que acredito, buscando entender as coisas e o porquê delas, por mais que algumas não tenham explicação, essas eu convivo, apenas. Por quê não? Por que tem que ser assim? Por que eu sinto isso sobre determinada coisa ou pessoa? Enfim, o “por que?”, para mim, desbrava o mundo, abre os horizontes e me faz uma pessoa melhor, pois passo a tolerar mais as diferenças.

Podem reparar, lembramos mesmo das pessoas que fizeram “diferente”, dos que desafiaram os padrões, quebraram as regras impostas sem sentido. Não, não é coisa de louco. Incluo aqui pessoas como Paulo Freire, Dom Helder Câmara, Madre Tereza de Calcutá, não são tidos como loucos e sim como santos, bem dizer. Ao mesmo tempo cito também o próprio Senna, Caetano Veloso, Chico Buarque, Chico Mendes, Gandhi, Lula. Quando a regra impõe limite no direito dos outros, pra mim não é regra, é imposição ou capricho de um grupo revestido pelo “senso comum”. E outra coisa, “ah, mas isso não pode!”, “por quê?” “não sei, só sei que não pode”, faz um favor? Melhore.

Enfim, que muitos gatos sejam questionados, que a arte continue ajudando a quebrar tantos paradigmas e que as pessoas tenham cada vez mais coragem de fazer diferente, de questionar e de ousar parecer loucas ou ridículas ou imaturas, e aí como diria uma Clarice que fez e faz diferença até hoje como uma das maiores questionadoras da consciência: "Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada".

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